segunda-feira, 19 de julho de 2010

Dia 09 de novembro de 1889 - O Último Baile do Império


O pretexto era homenagear a oficialidade do navio chileno Almirante Cochrane, ancorado no porto do Rio de Janeiro. O imperador Pedro II, pela primeira e última vez na vida, decidiu convidar 3 mil pessoas para um baile – alguns registros falam em 5 mil.
O local escolhido foi a Ilha Fiscal - antiga Ilha dos Ratos – situada, por uma dessas ironias da história, em frente à atual Praça XV de Novembro. Em abril daquele ano, o Ministério da Fazenda concluíra a construção de um castelo em estilo neo gótico, destinado à Alfândega.


O real objetivo do evento, que funcionou às avessas, era tentar revigorar a imagem do império na opinião pública e sensibilizar a nobreza empobrecida pela abolição da escravatura para uma causa já praticamente perdida: a preservação da Monarquia.

FESTA ADIADA

Tudo estava preparado para a festa, inicialmente programada para 19 de outubro, quando chegou a notícia da grave doença do rei de Portugal - D.Luis, sobrinho do Imperador - que faleceu no dia seguinte.
Em respeito ao luto, a comemoração – que reuniria a família imperial, membros do governo, o corpo diplomático, altas patentes militares e a nata da sociedade da corte - foi transferida para 9 de novembro.
O edifício ornamentado externamente com lanternas venezianas atraiu dezenas de embarcações para as proximidades. No cais em frente, tal como acontece hoje nos desfiles de Carnaval, o povão se dividia entre vaias e aplausos.






Abatido pela diabetes, o Imperador permaneceu afastado, quase anônimo, enquanto o presidente do Conselho de Ministros, Affonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, fazia as honras da casa. À meia noite, após o discurso com champanhe brindando a nação chilena, começou a festança.



DEU NA "GAZETA DE NOTÍCIAS"


O cronista social da Gazeta de Notícias descreveu com detalhes 74 trajes das damas presentes, numa edição que bateu recordes de espaço e de tiragem.


O jornal publicou também uma descrição detalhada da ceia, anunciada em um menu de 12 páginas, guarnecido com as cores das bandeiras brasileira e do Chile: "nada menos que 11 pratos quentes, 15 pratos frios,12 tipos de sobremesas, 4 qualidades de champagne, 23 espécies de vinhos e 6 de licores, num total de 304 caixas destas bebidas e mais dez mil litros de cerveja. Os números da maior comilança de que o país tem notícia relacionam para o preparo de todas essas receitas, o consumo de nada menos que 18 pavões, 25 cabeças de porco, 64 faisões, 300 peças de presunto, 500 perus, 800 quilos de camarão, 800 latas de trufas, 1200 latas de aspargos, 1300 galinhas, além de 50 tipos de saladas com maionese, 2900 pratos de doces variados, 12 mil taças de sorvete, 18 mil frutas e 20 mil sanduíches".



E o cronista dedicou um espaço especial para as bebidas: "Das 304 caixas de bebidas, 258 eram de vinhos e champagnes. Ou seja: naquela noite, foram consumidas 3.096 garrafas desses maravilhosos fermentados, que compunham uma bateria de 39 rótulos diferentes, com destaque para Porto de 1834 - uma safra preciosíssima - Madeira, Tokay, Château D’Yquem, Château Lafite, Château Leoville, Château Beycheville, Château Pontet-Canet e Margaux. A presença marcante do italiano Falerno, nas versões branco e tinto, era uma deferência à imperatriz. Os champagnes não podiam ser melhores: Cristal de Louis Roederer, Veuve Cliquot Ponsardin e Heidsieck. Dentre os vinhos alemães, destacavam-se o Liebfraumilch e o famoso Johannisberg do Reno".

CAIU A MONARQUIA



A repercussão do baile não seguiu os caminhos imaginados pelos promotores: naquela mesma noite, militares republicanos estavam reunidos com Benjamin Constant Botelho de Magalhães, líder positivista, para decidir a data da proclamação da República.
Desde a abolição da escravatura - assinada pela Princesa Isabel no ano anterior - os interesses dos senhores de escravos, últimos aliados de D.Pedro II e base de sustentação do governo ficaram muito abalados.
Começavam a chegar os primeiros imigrantes para substituir a mão de obra negra.


Seis dias mais tarde, ainda sob os efeitos da ressaca do baile, foi proclamada a República.

Com muita dignidade e nobreza e sem nenhuma queixa, D. Pedro II, sua família e os amigos mais chegados deixaram o Brasil, em 17 de novembro de 1889 – sete dias após o término do baile que entraria para a história.
Assim terminou, de modo ao mesmo tempo melancólico e magnificente, a última monarquia do continente americano.

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